A voz da era de aquário

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Ângela Corrêa

Cantora de MPB vai lançar álbum de canções de Roberto Carlos em espanhol. Foto: Divulgação

De acordo com a astrologia, os nativos do signo de Aquário são grandes visionários. Capazes de se antecipar às situações, pessoas nascidas entre 21 de janeiro e 19 de fevereiro também são dotadas de espírito revolucionário, desafiador, com inesgotável criatividade e  senso de coletividade gigantesco. Quando se conhece Leny Andrade e parte de seu mapa astral, que ela destrincha logo nos primeiros minutos de conversa, fica mesmo difícil duvidar dos astros e de todo o sincretismo brasileiro. “Tenho três planetas no elemento ar, minha filha. Sol em Aquário, ascendente em Gêmeos e Lua em Libra. Ninguém me segura. Nem homem, nem ninguém. Nem tentem!”, brinca a carioca.

Símbolo vivo e pensante da bossa nova, a cantora completou 70 anos em 26 de janeiro e é, como dizem, uma força da natureza dentro e fora dos palcos. “Sou aquariana típica, daquelas que sofrem demais!”, explica, soltando uma de suas gargalhadas contagiantes. “A gente vê o que vai dar certo antes das outras pessoas e tenta mostrar a elas que por aquele caminho não vai dar certo. É desesperador.”
As sete décadas de vida encontraram Leny com o bom humor intacto. “Estou muito satisfeita de deixar aquela idade incômoda. O (pianista e amigo) Gilson Peranzzetta disse muito bem: ‘Leny, isso não é idade, é uma posição sexual. Pode se acalmar’”, ironiza. 
Mas o saldo do período vai além do deboche. Leny classifica os ‘setenta’ como marco de abertura ao seu estilo peculiar e elegantérrimo de interpretar a música popular brasileira aqui mesmo, no seu País de nascimento. “Aos 70 anos e depois de cantar tanto tempo fora, o Brasil finalmente me descobriu. Não me falta lugar para cantar por aqui, graças a Deus”, diz ela, que se divide entre temporadas em solo verde-amarelo e outras nos Estados Unidos, e se prepara para lançar álbum de canções de Roberto Carlos em espanhol. Canciones Del Rey, já gravado e produzido por Roberto Menescal, está em processo de prensagem.
O que encantou os gringos, que a receberam pela primeira vez em 1983, e agora ao público ‘remoçado’ que comparece a seus shows no Brasil, é justamente a capacidade criativa dessa intérprete. Mesmo tendo se formado em piano, Leny não compõe no fiel sentido da palavra. Ao menos não convencionalmente. Seu estilo vocal, repleto de improvisações dignas de grandes peças jazzísticas, revoluciona as canções de MPB que ‘adota’ em seu repertório. Músicas de Tom Jobim, Chico Buarque, Cartola, Vinicius de Moraes e tantos outros compositores se transformam também um bocado com a interferência de Leny. “Nos shows, canto exclusivamente em português. E lá fora nossa música continua extremamente valorizada. Só querem saber da gente.”
 
AGENDA
 
Em junho, a agenda cheia de Leny sai da rotina. No dia 12, ela estará no Prêmio da Música Brasileira, que chega à 24ª edição, no Theatro Municipal do Rio. O homenageado da noite será Tom Jobim. No dia 22, vai à Baixada Santista para dividir o palco com o guitarrista de jazz Romero Lubambo. O carioca está radicado nos Estados Unidos desde os anos 1980 e, com Leny, se apresenta ao lado de sua orquestra. O show será no Sesc da cidade e faz parte da extensa programação do 2º Santos Jazz Festival, realizado durante seis dias no Litoral. Para fechar o mês, Leny volta ao circuito fluminense e se apresenta no Sesc Niterói dia 29.
 
LEI DA ATRAÇÃO
 
Os 30 anos de apresentações na América do Norte serão completados em 27 de setembro, “dia dos santos Cosme e Damião”, frisa a cantora. Pouco antes de subir pela primeira vez ao palco da tradicionalíssima casa de jazz Blue Note, em Nova York, ela deu um jeito de deixar, em uma praça arborizada da Big Apple, uma cesta repleta de doces, sob os olhares curiosos de dois guardas. Apesar do receio dos amigos que a acompanhavam, a oferenda não foi reprimida pelos ‘tiras’ e os santos - grandes exemplos da fusão de crenças que marca a história de Leny - foram honrados sem grandes dramas.
“Minha família é kardecista e eu me considero uma pessoa esotérica, simplesmente. Acredito muito na lei do retorno e no quanto somos o que pensamos. O nosso pensamento tem de sempre estar lá na frente. Quem anda de lado é caranguejo”, explica ela, que medita diariamente ao mesmo tempo em que oferece o primeiro cafezinho coado todos os dias em sua cozinha à imagem de um preto velho que mantém em casa, assim como era hábito da mãe, Dona Ruth.
 
QUERIDINHA DOS MÚSICOS
 
O traço superprotetor que Leny justifica pelo signo solar revela-se principalmente no relacionamento com os músicos que compartilham seu palco desde os anos 1960. “Sou a queridinha deles”, repete sempre, com um orgulho indisfarçável em sua gargalhada. “Acho que no Brasil eu e o Ivan Lins somos os artistas que dão melhor tratamento aos músicos. Nas viagens, faço questão de que tenham privacidade. Cada um dorme em um quarto. E dou conselhos: faço todos levarem presentes para as mulheres. ‘Vem cá, meu filho, compra essa colônia para a sua mulher. Vai ser ótimo para o seu relacionamento’”, ri.
Leny, musicista que é, conversa de igual para igual com os colegas de profissão, exige esmero na execução das canções e confessa que é super-rígida com a qualidade de sua interpretação e de quem a acompanha. “Não dou mole para os músicos nem acho que seja algo que eles queiram. A única coisa com a qual eu não brinco na minha vida é a música. Aí eu sou extremamente séria e exijo isso de todos.”
Tanto que, apesar de todo o clima de descontração que sua profissão inspira, ela não se permite ultrapassar limites. “Não gosto de nenhum tipo de bebida. Meu único vício é o café. Se vejo que alguém está bebendo demais, como se fosse para esquecer algo, já paro do lado e pergunto o que está acontecendo. Mando logo deixar essa babaquice”, conta ela, que iniciou carreira no chamado Beco das Garrafas, conjunto de casas noturnas na


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