Sem Limites

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Mauro Mello

ArielGoldenberg e Rita Pokk. Foto: Divulgação

O cineasta Evaldo Mocarzel é questionado em uma cena do documentário Do Luto à Luta, que trata da síndrome de Down: um entrevistado, Rodrigo, pega a câmera e pergunta para ele por qual motivo fazia o filme. Mocarzel responde com imagens que exibem uma sequência onde ele aparece com a filha Joana, portadora da síndrome. Exibida pela

Rede Globo entre julho de 2006 e março de 2007, a novela Páginas da Vida apresentou Joana a todo o País: então com 7 anos, ela interpretou Clarinha.
 
O cineasta optou por uma resposta que levasse em consideração a estética cinematográfica. “Você perde um pouco a perspectiva artística quando didatiza”, diz. Premiado nos festivais de Gramado, do Recife e do Rio de Janeiro, Do Luto à Luta sugere que os limites relativos às pessoas com a síndrome são impostos pela sociedade – e que, portanto, eles podem ser superados. Essas barreiras atendem por codinomes como discriminação, intolerância, preconceito e segregação. O documentarista confirma: a discriminação existe, “mas há uma mobilização para acabar com ela”. 
 
A gerente de Serviços Socioassistenciais da Apae de São Paulo, Valquíria Barbosa, concorda. “O preconceito existe pela falta de conhecimento, de não saber como lidar (com pessoas com a síndrome), e isso gera pensamentos equivocados”, dispara. De acordo com a gerente, somente a atuação delas na sociedade pode alterar essa situação.
 
A arte é uma das ferramentas que contribuem para tirar o preconceito do radar e colocá-lo no retrovisor. Mocarzel dá sustentação à ideia de que a sociedade pode se aprimorar por meio da intervenção estética que procura ir além do mero entretenimento. “A arte semeia novas formas de ver, escutar, conscientizar, perceber o mundo. Humaniza visões. É o território da verdade não monolítica, ela é plural”, afirma.
 
Valquíria refere-se ao poder de transformação pessoal que a produção estética possibilita. “A arte oferece uma contribuição grande nos aspectos cognitivo, emocional e da autoestima. No momento em que está fazendo uma peça, por exemplo, a pessoa com síndrome de Down é como o irmão, o primo, o vizinho. Quando exerce uma atividade artística, a pessoa, com ou sem deficiência, demonstra seu potencial.”
 
CINEMA NAS VEIAS
 
O filme Colegas (Brasil, 2012), de Marcelo Galvão, narra as aventuras de três jovens com síndrome de Down em busca de seus sonhos. Dois dos protagonistas, Ariel Gondenberg e Rita Pokk, estão em Do Luto à Luta. Casados, Goldenberg, 32 anos, e Rita, 34, têm algo mais a uni-los além do afeto mútuo – aspiram a ser cineastas. “Temos de lutar para atingirmos nossos objetivos. Temos de acreditar naquilo que queremos”, indica Goldenberg, que vai começar em breve um curso de cinema. “Pretendo ser assistente de direção ao lado do Marcelo Galvão”, anuncia Rita.
 
Ariel e Rita também dirigiram em Do Luto à Luta cenas com os atores Antônio Galleão e Eduardo Estrela. Um médico, em uma maternidade, dá a notícia a um pai de que seu filho nasceu com síndrome de Down. Rita acrescenta em sua versão que a mãe morreu no parto. “Saí do set (de filmagem), e eles ficaram três horas dirigindo as cenas”, conta o cineasta. Goldenberg e Rita foram descobertos em uma pesquisa da produtora Letícia Santos – Mocarzel pediu que encontrasse uma pessoa com a síndrome que quisesse fazer cinema. Goldenberg e Rita revelam que dirigir as cenas foi mais prazeroso que atuar em Colegas.
 
A experiência pessoal conduziu o documentarista a rodar um filme que inspira o desmonte do aparato de rejeição social. “Levei um susto muito grande (quando do recebimento da notícia) e criei, pela falta de informação, um monstro que não existia. Nem lembro mais que a Joana nasceu com a síndrome. É uma característica dela, como a cor dos olhos. Não é um mundo cor de rosa, há um problema genético. Mas ela tem deficiências e potencialidades como qualquer um.”
 
A diretora de Comunicação de Colegas, Aleksandra Zakartchouk, assinala que o longa não foi concebido para combater a discriminação. “Mas é evidente que ao trazer atores Down ao universo do cinema, Colegas quebrou paradigmas e levantou discussões em torno do assunto na imprensa e junto à opinião pública. Acredito que muitos indivíduos que desconheciam a síndrome de Down ou até mesmo tinham preconceito passaram a ver tudo com outros olhos depois do filme.” Para ela, “está claro que a arte é um excelente meio através do qual a sensibilidade à flor da pele das pessoas com síndrome de Down pode ser canalizada, expressa e compreendida”. 
 
E em que medida pessoas com a síndrome podem colaborar para o desenvolvimento das artes? “Acredito que novos olhares e percepções inusitadas são sempre positivos para a arte”, responde Aleksandra. “Pessoas com síndrome de Down podem ser absolutamente surpreendentes devido à intensidade e à pluralidade de suas emoções. É muito lindo e emocionante quando esse rico universo interior ganha formas, cores, sons e movimentos no mundo externo por meio da arte.”
 
TRABALHANDO HABILIDADES 
 
A Apae de São Paulo mantém, conforme o educador artístico Evaldo Mena, uma turma com 230 pessoas com deficiência, nem todas com síndrome de Down, que desenvolvem suas habilidades. Efetivam, no campo das artes visuais, trabalhos coletivos como quadros e bonecos. Daniel Moraes, 24 anos, relata que pinta e desenha, atividades que o auxiliam “a escrever melhor e a melhorar a leitura”. “Vejo artes desde pequeno, e isso é importante para realizar outras tarefas”, diz.
 
Jorge Shimura, 33 anos, faz parte do mesmo grupo. “Vim para fazer artes. Gosto mais de pintura e já fui a museus”, informa. Emocionado, revela que tem uma namorada, Fátima, que a pediu em casamento e que ela aceitou. “Quero paz e alegria”, resume. Valquíria destaca que pessoas com a síndrome “não são especiais, como a sociedade as denomina, mas comuns”. “Elas têm sentimentos como qualquer um, apenas possuem condiç&ot


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