Sob as bênçãos de Francisco

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Evaldo Novelini

Praça de São Pedro foi tomada por 100 mil pessoas no dia 13 de março. Foto: Shutterstock.

Noite de 13 de março de 2013. Na Praça de São Pedro, no Vaticano, 100 mil pessoas suportavam a chuva à espera do anúncio do nome do novo papa. Enquanto os 115 cardeais, trancados no interior da Capela Sistina, escolhiam o líder da Igreja Católica Apostólica Romana, fiéis gastavam o tempo observando as gaivotas que disputavam espaço para pousar sobre a simbólica chaminé, de onde a saída da fumaça branca era aguardada para sinalizar o fim do conclave e a definição do sucessor do alemão Joseph Ratzinger, Bento XVI, que renunciara em 18 de fevereiro, fato inédito em seis séculos de história.

Assim que o nome do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, foi anunciado como papa Francisco, os católicos, que tendem a enxergar mensagens divinas nos episódios mais comezinhos, não demoraram a associar a presença das aves no teto da Sistina a um sinal emitido pelo santo protetor dos animais, São Francisco de Assis, ao 266º comandante da história da Igreja. “Chamar-se Francisco já é um programa”, diz o mestre em Teologia e Ciências da Religião, Fernando Altemeyer Junior, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Em sua primeira aparição pública, o novo pontífice conquistou a multidão ao brincar com os fiéis sobre sua origem latino-americana. “Sabeis que o dever de um conclave é dar um bispo a Roma e parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo no fim do mundo, mas já estamos aqui.” Seu primeiro pedido foi que rezassem por ele e pela Igreja. 
E Francisco certamente tem motivos fortes para solicitar orações. Minutos depois do Habemus Papam, as redes sociais já desencavavam acusações seríssimas contra Sua Santidade. As mais graves colocavam-no como agente da ditadura argentina (1966-1973) no sequestro de bebês e na entrega de padres aos órgãos da repressão para serem torturados nos porões do Estado, que matou 30 mil pessoas.
“A maioria das denúncias foi feita sem prova”, assinala o professor. O tempo se encarregou de desanuviar os episódios e mostrar que o então padre Bergoglio postou-se ao lado da população oprimida. A maior defesa do religioso foi feita pelo insuspeito ex-preso político e Prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Pérez Esquivel. “O papa não teve nada a ver com a ditadura. Não foi cúmplice, não colaborou com ela. Preferiu uma diplomacia silenciosa”, diz.
Altemeyer Junior lembra que as acusações foram feitas de afogadilho. “O ônus da prova cabe a quem acusa. A Igreja da Argentina ficou ao lado da ditadura, que assassinou o padre Carlos Mujica, mas Bergoglio não teve envolvimento. Pelo contrário, ele salvou pessoas. Teve papel discreto, mas a favor das pessoas”, opina o especialista.
A eleição de Bergoglio foi o primeiro passo da Igreja para se despir do eurocentrismo que caracteriza suas ações desde o início. No dia seguinte ao conclave que optou pelo primeiro papa argentino, o jornal mais importante do planeta, o norte-americano The New York Times, afirmou em manchete que a escolha “muda o centro de gravidade da Igreja”. Sim, a cúpula da Santa Sé também age politicamente e se preocupa com a opinião pública. E nada melhor para a tarefa de redimir os pecados da instituição que um jesuíta cuja vida espartana ¬– em Buenos Aires, já cardeal, ele andava de metrô e cozinhava a própria comida – exemplifica o que se espera do líder de uma religião que procura seguir os preceitos deixados por um humilde filho de carpinteiro que nasceu em uma manjedoura e pregou entre os pobres.
Na primeira homilia feita na condição de papa, Francisco expressou a preocupação de a Igreja se reduzir a uma ONG (organização não governamental) caridosa caso não haja  renovação espiritual. Para não ficar apenas no discurso, recusou alguns luxos, como os adornos das vestes e a limusine papal, para fazer jus ao nome que adotou em referência ao santo que, na Idade Média, abdicou das riquezas para dedicar a vida aos mais pobres.
 
Papa Francisco (à dir.) em encontro com o emérito Bento XVI no Castel Gandolfo, ao Sul de Roma. Foto: Osservatore Romano/AE.
CAMINHOS
A despeito de alguns sinais que evidenciam o desapego do novo pontífice à pompa tradicionalmente destinada pelos católicos a quem consideram ser o ‘representante de Deus na Terra’, ainda é cedo para saber por qual caminho o papa Francisco deverá conduzir seu rebanho de fiéis. A expectativa, todavia, é grande. “O primeiro sinal será dado com a nomeação do novo secretário de Estado da Santa Sé. É esse nome que vai indicar por onde ele seguirá”, diz Altemeyer Junior, referindo-se ao segundo posto mais importante da soberana cidade-Estado murada dentro de Roma, a capital italiana.
O secretário responde pela administração de todos os bens e direitos relacionados à Igreja e ao Estado da Cidade do Vaticano, inclusive pelo Instituto para as Obras da Religião, conhecido popularmente como Banco do Vaticano, cuja história recente é permeada por denúncias de escândalos que vão da lavagem de dinheiro à suspeita de ligação com mafiosos. 
O cargo é atualmente ocupado pelo cardeal Tarcisio Pietro Bertone, que, aos 78 anos, faz hora extra, já que a aposentadoria compulsória colhe os religiosos aos 75. Por enquanto, ele segue no comando, mas deve ser substituído em breve. É com a escolha do sucessor que Bergoglio mostrará a que veio.
 
DESAFIOS
São muitos os desafios de Francisco à testa da Igreja, mas dois deles são prementes: renovar a instituição e reforçar sua relevância no cenário mundial. De acordo com Altemeyer Junior, há um norte: “É preciso entrosamento com a juventude. Caso contrário, a igreja envelhece”.
Mas como despertar o interesse dessa parcela da população, cont


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