Mudança de hábito

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Raquel de Medeiros

Rafael Cortez troca humor ácido por apresentação de reality show na Record Foto: Nário Barbosa

O local marcado para a entrevista era um bar na paulistana Vila Madalena. Assim que descemos do carro, ao invés de encontrar Rafael Cortez sentado dentro do estabelecimento ou atrasado – como é de costume entre as celebridades – ele estava em pé, no meio da rua, agitado e sorridente, conversando com amigas que, coincidentemente, passavam por ali. Os fãs também se aproximaram e ele cumprimentou a todos da mesma maneira, como se fossem velhos conhecidos. Alguns minutos depois, decidiu ir para a mesa do bar, onde esperávamos para entrevistá-lo. E logo avisou que precisava almoçar. Descolado, sem nenhum tipo de frescura, não se importa de comer e falar, tudo ao mesmo tempo, como diz já estar acostumado a fazer com tudo na vida. “Sempre fui meio irrequieto. Faço sempre isso. Como ao mesmo tempo que falo,  toco violão enquanto faço amor. É uma loucura”, revela em tom de brincadeira.

Impossível manter a fisionomia séria durante a conversa. Cortez é extremamente bem-humorado e espontâneo. Cria tiradas engraçadas a cada resposta. Mas responde a tudo com muita verdade também. Não se incomoda de falar de medos e admite que chegou ao limite durante a cobertura da Copa na África do Sul, em 2010. “Odiava ir a estádio, porque você não consegue tirar muita coisa das pessoas. Você vai entrevistar na torcida, faz a pergunta e, no meio da resposta, 26 mil caras entram gritando. Não rende. Jogador de futebol também não. Eles têm discurso esquisito, são tímidos, não gostam de falar.”

Imagina, então, ficar 36 dias longe de casa,  em um lugar onde não entendia a língua e passava muito frio. “Eu estava sofrendo, com crise de ansiedade, não dormia, com pânico. Estava com todos os problemas do mundo.” Mas Rafael não se contentou em sofrer calado. Decidiu transformar o limão azedo em uma limonada de sabor inesquecível. Pegou tudo o que lhe fazia mal e trouxe para o campo do trabalho. “Pensei: ‘Ou me abalo com tudo isso aqui e revelo para Deus e o mundo que eu estou infeliz, ou uso essa energia para trabalhar’. E as matérias ficaram, modéstia à parte, muito boas.” O tipo de humor ácido do programa CQC, da Band, no entanto, não o inspira mais e deve ficar para trás. “Vi o que funcionava do CQC e mantive, como carisma e espontaneidade. Vi também o que não funcionava para este projeto e que eu trazia muito para o CQC, como meu humor de 16 anos de idade. Esse eu abandonei.”
 
Rafael entendeu que poderia fazer um humor para rir junto com as pessoas. Reflexão no mínimo inusitada  em um meio que incentiva os apresentadores-humoristas a fazer piadas a qualquer custo, mesmo que seja para constranger um entrevistado gratuitamente. Proposta nada elegante, mas que tem cativado número crescente de telespectadores. O então sarcástico repórter de gravatas decidiu remar contra a maré. “Quem riu (de alguém), historicamente no CQC, não se deu bem. Quem riu junto foi agregando valores e conseguindo coisas extras no programa.” Mas o aprendizado não se deu do dia para a noite. Rafael teve de viver na pele experiência um tanto quanto constrangedora para mudar de atitude. “Lembro que levei um passa-fora da Bethânia (Maria) e foi muito duro. Justo essa entidade viva e ídolo para mim, que é a Bethânia. Ela é o suprassumo do talento para mim. Todos os meus outros ídolos já estão falecidos ou são inacessíveis.” 
 
Gravado o episódio com a piada infeliz, Cortez diz que “fez o diabo” para evitar que fosse ao ar. Mas o editor quis exibir. “Ele falou: ‘Ela te deu uma patada, vamos mostrar que foi grossa’. E eu disse: ‘Ela foi grossa com razão, eu errei’. Depois, mandei e-mail para a Biscoito Fino, gravadora de Bethânia, e para a empresária dela.” Sem uma resposta da cantora, Cortez apelou corajosamente a uma carta aberta de desculpas na Folha de S.Paulo. 
O perdão da Abelha Rainha da MPB, por fim, aconteceu durante a eleição do ano passado. “Entrevistei com uma piada muito sutil e, depois, sem gravar, fui falar com ela. Disse que queria pedir desculpa e ela respondeu: ‘Li sua carta, sei que você foi atrás e eu te desculpo.’ Aí, encerrei meu ciclo no CQC com chave de ouro. Senão, ia ser doído para mim  guardar isso.”
 
Mas da mesma forma que alguns repórteres não se importam em passar dos limites, há os entrevistados que também erram a medida do bom-senso. Foi o caso do ator Paulo Vilhena, que cuspiu sem necessidade no rosto de Rafael Cortez durante reportagem para o semanal da Band. Para evitar a reincidência desse tipo de situação, o repórter passou a evitar entrevistas com determinadas personalidades. “Um desses caras era o Chorão, que se foi. Era um cara querido, mas difícil com os jornalistas. Veja, não estou discutindo a genialidade musical dele, mas era um cara difícil para tratar. Nunca entrevistei o Chorão porque tinha medo dele.”
 
O OUTRO LADO
Seria um trocadilho infame dizer que Rafael é cortês, mas ele é de fato. Rodeado de pessoas, a maioria mulheres, ele conversa com todos sem economizar gentilezas. “Nunca deixei de ser bom-moço. Tive um acesso de loucuras, ousadias e estrepolias bem molecas, coisas que eu assisto no YouTube e não acredito que fiz, como invadir o tapete vermelho de Veneza. Mas, no restante, sempre fui um bom-moço”, diz Cortez, que vive período de transformação profissional. Largou o programa que o tornou conhecido do grande público para viver novas experiências. “Quis sair, estava muito claro para mim que era o momento. Não porque ganhei muito dinheiro, estava carente ou mal. Eu estava muito resolvido. Fiz cinco anos de um trabalho muito bom, que rendeu frutos e que eu sinto que é um ciclo cumprido.”
 
O apresentador sente falta de não ter construído família e diz que ainda quer ter filhos Foto: Nário Barbosa
O desafio, agora, é trocar o papel de repórter-humorista para encarar o lugar de um apresentador bem-humorado à frente do programa Got Talent, novidade da Reco


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