Papo de bambas

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Heloisa Cestari

Sambista comemora 75 anos de vida, 45 de carreira e o título do Carnaval carioca deste ano para a Vila Isabel. Foto: Claudinei Plaza
Ele é ritmista, cantor, passista, puxador de escola de samba, presidente de ala e, segundo o amigo Zeca Baleiro, um dos mais libidinosos compositores da música popular brasileira. Aos 75 anos de idade e 45 de carreira, Martinho da Vila só tem motivos para celebrar. E não é para menos: o ex-sargento burocrata coleciona uma infinidade de prêmios que vão desde a honraria de Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro até o recente título de campeão do Carnaval carioca 2013 com o samba-enredo A Vila Canta o Brasil Celeiro do Mundo - Água no Feijão Que Chegou Mais Um..., composto com seu filho Tunico e os parceiros Arlindo Cruz, André Diniz e Leonel. 
“Foi um presente. Nasci no Carnaval de 1938 e fiz aniversário desfilando este ano. Acho que vou comemorar o ano inteiro”, disse o sambista, dono de um vozeirão inconfundível que encanta não só brasileiros como portugueses e africanos. Não foi a primeira vez, no entanto, que este vascaíno inveterado e socialista de carteirinha abriu alas para a agremiação do bairro de Noel Rosa fazer história na Sapucaí. O primeiro grande feito deu-se em 1988, quando o memorável enredo Kizomba, a Festa da Raça garantiu à Unidos de Vila Isabel o consagrado título de campeã em pleno ano do Centenário da Abolição da Escravatura. Em 2006, outra vitória com Soy Loco Por Ti América, elaborada em parceria com os carnavalescos Alexandre Louzada e Alex Varela. Façanhas que o sambista sequer imaginaria 45 anos atrás, quando estreou sem querer na terceira edição do famigerado Festival da Record cantando a música Menina Moça apenas para compensar o sumiço do intérprete originalmente inscrito. Sua voz grave deu tão certo que no ano seguinte ele voltou ao palco da emissora para lançar o clássico samba Casa de Bamba, que mais parece uma profecia do que viria a ser sua família, formada pela atual mulher - Clediomar Corrêa Liscano, 33 anos mais jovem -, sete netos e oito filhos que desfilam por diferentes gêneros musicais com a mesma elegância de uma porta-bandeira. Entre eles, destaque para o pop-rock de Mart’nália e os acordes clássicos da brilhante pianista e cantora Maíra Freitas, com quem Martinho fez dois recitais em Lisboa no mês passado.
Com dez livros publicados e músicas gravadas em espanhol, italiano, francês e até angolano, Martinho da Vila é um erudito formado na faculdade da vida. E não é só no convívio do lar - dividido entre a Barra da Tijuca e o refúgio em Duas Barras - que todo mundo bebe e samba. Entre os fãs declarados de sua música também não faltam bambas nem bambambãs. Alguns desses compadres se reuniram em fevereiro na Fnac Pinheiros, em São Paulo, para um papo-cabeça com o mestre dos enredos. O time foi composto pela cantora Fabiana Cozza; a violonista e compositora jazzista Badi Assad; o genial ilustrador e velho amigo Elifas Andreato; e os versáteis músicos Zeca Baleiro e Filipe Catto. Confira a seguir os melhores trechos desta conversa de bambas e beba direto da fonte do samba sem moderação, mas devagar, devagarinho, bem ao estilo de Martinho.
 
 
 
 
ELIFAS ANDREATO – Vou fazer uma pergunta bem babaquinha: Martinho, como é que foi ganhar o Carnaval deste ano?
MARTINHO DA VILA – O Carnaval foi um presente de aniversário. Eu Nasci no Carnaval de 1938 e fiz aniversário desfilando este ano. Assim como esta tarde, que estamos juntos. Estou recebendo presente de aniversário todo dia. Acho que vou comemorar o ano inteiro. Mas o Carnaval foi legal, foi bacana, porque é raro fazer aniversário no Carnaval, e desfilando no dia exato, e ainda por cima com um samba que eu ajudei a construir, com um enredo que eu ajudei a elaborar. Então, foi um Carnaval especial. De acordo?
 
FABIANA COZZA – Vou pegar esse gancho do Carnaval, para pedir para você falar de um dos Carnavais mais bonitos que eu já vi, que foi quando você fez Kizomba, Festa da Raça com Luiz Carlos da Vila, que diz ‘Valeu, Zumbi, o grito forte dos Palmares, terra, céus e mares, influenciando a abolição...’ Comenta isso pra gente.
MARTINHO – Esse foi um dos Carnavais mais importantes da Vila Isabel. A maioria das pessoas que acompanham e analisam a história dos Carnavais dizem que é um dos mais importantes da história. Mas o duro é que aquele carnaval não foi só da Vila, porque era o centenário da abolição da escravatura e eu queria fazer uma grande festa  e eu aproveitei a escola de samba para fazer um grande evento, tanto que participaram do desfile não só a comunidade de Vila Isabel como gente de todos os segmentos do movimento negro, veio gente da Bahia, do Sul, o Ilê Aiyê, gente de Angola, de Moçambique, enfim, foi uma kizomba. 
 
FABIANA COZZA – Foi o primeira Carnaval que a Vila ganhou?
MARTINHO – É, em 1988. Já tinha ganhado outro antes, mas com menos expressão.
 
 
BADI ASSAD – Como é fazer esses sambas coletivamente? Como é que funciona lá dentrto?
MARTINHO – Coletivamente foi a primeira vez. Já fiz muitos sambas para a Vila Isabel. Essa foi a 11ª vez que ela desfilou com um samba meu, mas a maioria eu fiz individualmente. E alguns que eu fiz com parceria eu fiz o samba, como quando você faz uma música e pergunta para o outro: ‘o que vc acha disso aqui, e ele responde ‘eu acho que aqui não está muito legal, não; acho que aqui você não devia subir essa melodia...’ Então, os parceiros inteiravam,  e foram importantes nesse sentido, mas eu tinha o domínio da coisa toda. Neste ano foi mais complicado, porque eu não queria fazer samba-enredo mais... E eu já tinha feito o enredo. É meio chato o cara fazer o enredo e depois o samba-enredo porque ele já vai com vantagem em relação aos outros compositores; ele já sabe mais sobre o enredo etc. Mas aí eu fui sendo envolvido e falei: ‘Olha, eu vou lá, primeiro a gente faz uma palestra com todos os compositores. Depois, os que quiserem uma conversa à parte, pode acontecer. Aí, eles chamaram o Tunico, a Andrea Diniz, o Arlindo Cruz, eu fui lá para dar um toque e tal. Mas acabou que a gente vai se envolvendo com o samba e fizemos juntos. É mais complicado, sabe? Porque você faz uma coisa e aí eles falam ‘Isso a&ia


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