O Poder do amor

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Miriam Gimenes

A psicanalista acredita que o amor romântico está com os dias contados Foto: Arquivo pessoal

Por ele, o imperador mongol Shah Jahan (1592-1666) foi capaz de mobilizar mais de 20 mil homens e construir na Índia, ao longo de duas décadas, um mausoléu – o Taj Mahal – para homenagear sua mulher, que morreu durante o parto. Cleópatra (69-30 a.C.) provocou a ira de uma serpente venenosa, até que ela a picasse, após saber da morte do marido, o imperador romano Marco Antonio. Os jovens Romeu e Julieta firmaram pacto e cometeram suicídio lado a lado. Levando em consideração essas e outras histórias, chegamos a diagnóstico irrefutável: o amor, sem dúvida, é o mais poderoso sentimento que acometeu a sociedade desde o seu surgimento. 

Foi baseada na história desta devoção que a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, autora de 11 títulos sobre relacionamentos amorosos, lançou suas duas últimas publicações: O Livro do Amor 1 e 2. As obras compilam o que há de mais marcante desde a Pré-história até os dias de hoje, e traça um panorama da importância e das mudanças que o sentimento teve ao longo dos séculos. Tudo com destaque para o papel da mulher frente às mudanças sociais. Com conhecimento de causa, a especialista, que também atua no programa  Amor & Sexo, da Rede Globo, e ministra palestras em todo o País, afirma categoricamente que as relações do futuro não serão mais guiadas pelo dueto feminino/masculino e o amor romântico está com os dias contados. “É possível que as pessoas venham a escolher seus parceiros amorosos e sexuais pelas características de personalidade, e não mais por serem homens ou mulheres. Tudo indica que a bissexualidade seja uma tendência”, prevê. Confira a seguir o que a autora fala sobre amor, casamento, fidelidade, conquistas femininas e sexo. 
 
DIA-A-DIA – O que você destacaria de curiosidade em relação ao papel do amor em cada período da história?
REGINA NAVARRO LINS – As curiosidades são muitas, algumas até difíceis de acreditar. Na Grécia Clássica, por exemplo, o sentimento amoroso mais valorizado era entre os homens. Lá foi criado o Batalhão Sagrado de Tebas – tropa de choque composta só de casais homossexuais. Já na Roma Antiga era comum, na primeira noite dos casais romanos, a abstenção de desvirginar a noiva, em consideração à sua timidez. Em compensação, o noivo fazia sexo anal com ela. Na Idade Média, qualquer coisa que tornasse o corpo atraente era vista como incentivo ao pecado. Evitavam-se os banhos, e a sujeira tornou-se virtude. Na primeira metade do século 20, os adventos do telefone e do automóvel transformaram as relações amorosas. Surgiu o encontro marcado. Os moralistas diziam que o telefone era uma indecência, porque a voz entrava na mulher. A mudança radical foi possível quando chegou ao mercado a pílula anticoncepcional. Aconteceu a dissociação entre procriação e prazer. Para os jovens dos anos 1960 – a geração sexo, drogas, rock’n’roll e ‘make love, not war’ (faça amor, não faça guerra) –, o sexo vinha indiscutivelmente em primeiro lugar. Acredito que as relações amorosas daqui para frente provavelmente serão bem diferentes das que vivemos hoje. O Livro do Amor faz com que as pessoas percebam que o amor em cada época se apresenta de maneira diferente e, portanto, podemos escolher nossa forma de vivê-lo. 
 
DIA-A-DIA – Os casais sempre se amaram ou fizeram o amor nascer?
REGINA – Casamento por amor era impensável. As pessoas casavam-se por interesses econômicos. Em muitos enlaces, os cônjuges eram estranhos convivendo sob o mesmo teto. O amor passou a ser uma possibilidade no casamento a partir do século 19, mas só entrou para valer a partir da década de 1940. 
 
DIA-A-DIA – Você é contrária à ideia de fidelidade. Das eras pontuadas nos dois volumes, qual acredita que mais terá a ver com o futuro em termos de relacionamento?
REGINA – Nenhuma época do passado tem a ver com o presente das relações amorosas nem com as tendências do futuro. E não sou contra a ideia de fidelidade. Sou contra a tentativa de enquadrar as pessoas em modelos. Até recentemente, só foi aceito quem se enquadrasse em modelos. Isso é nocivo porque aniquila as singularidades. É provável que no futuro existam formas variadas de se viver as relações amorosas e sexuais. No momento, os valores tradicionais não dão mais respostas satisfatórias e assim abre-se espaço para cada um escolher sua forma de viver. Quem quiser ficar 40 anos com uma única pessoa, fazendo sexo só com ela, tudo bem. Mas o fato de se desejar vários parceiros também será visto como natural. 
 
DIA-A-DIA – A mudança da conduta feminina contribui de alguma forma para uma visão diferenciada do amor existente na sociedade contemporânea?
REGINA – Sem dúvida. Estamos no meio de um processo de profunda transformação das mentalidades, mas não podemos esquecer que as mulheres foram oprimidas durante 5.000 anos e só há menos de 50 – a partir da pílula – passaram a reivindicar igualdade de direitos em relação ao homem. Muitas alcançaram independência financeira, mas ainda não são autônomas. Uma mulher independente é aquela que já se libertou dos padrões de comportamento impostos na sociedade patriarcal, tais como: a mulher deve sempre tentar agradar ao homem, não pode demonstrar que gosta de sexo, jamais deve tomar a iniciativa, precisa de um homem ao lado para protegê-la, é desvalorizada se não tiver um parceiro fixo e estável etc. Há as que dizem que o homem tem de pagar sempre (as contas) por uma questão de cavalheirismo. E elas falam isso sem perceber que o cavalheirismo é extremamente nocivo às mulheres. Parece que muitas usufruem dos benefícios da emancipação, mas não querem arcar com o ônus. 
 
DIA-A-DIA – Por que o cavalheirismo é nocivo às mulheres?
REGINA – Cavalheirismo é uma coisa, gentileza é outra. Gentileza é ótimo! Homens e mulheres devem ser gentis uns com os outros. Mas cavalheirismo traz a ideia de que a mulher é uma incompetente, que não tem capacidade nem para abrir uma porta. Poderíamos até não ver gravidade nessa noç&a


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