Vocação feminista

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Eliane de Souza

'Ser mulher e negra é ter de provar todos os dias a sua capacidade', diz Eliad Dias dos Santos Foto: Nário Barbosa

Em 8 de março celebra-se o Dia Internacional dos Direitos da Mulher e pela Paz. A data foi comemorada pela primeira vez em 1977, por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas, e remete a 1917, quando mulheres de São Petersburgo, na Rússia, convertidas em chefes de família durante a guerra, saíram às ruas, cansadas da escassez e dos preços altos dos alimentos. No dia seguinte, eram mais de 190 mil. Apesar da violenta repressão policial do período, os soldados não reagiram: ao contrário, eles se uniram às mulheres. 

Fato é que, em pleno 2013, a data é mais motivo de reflexão do que de festa. Embora representem mais da metade da população e estudem mais que os homens, no Brasil as mulheres ainda têm menos oportunidades de emprego, recebem remuneração 30% inferior à do universo masculino trabalhando nas mesmas funções e ocupam os piores postos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Na luta por igualdade, a pior batalha ainda se refere à violência. A cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil, segundo a pesquisa Mapa da Violência no Brasil, da Fundação Perseu Abramo. O ditado que diz que em mulher não se bate nem com uma flor é sobreposto por outro, o de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Resultado: mais de 80% dos casos de agressão partem de maridos ou namorados. 
 
No Grande ABC, a busca pela igualdade de gêneros e o combate à violência doméstica são o mote de vida de três mulheres de fibra: Silmara Conchão, Eliad Dias dos Santos e Ângela de Andrade Ferreira. Confira suas trajetórias a seguir. 
 
CONTRA A VIOLÊNCIA 
A delegada Ângela de Andrade Ferreira, 49 anos, comanda há 22 anos a Delegacia de Defesa da Mulher de São Bernardo. Só no distrito do Jardim do Mar são registradas cerca de 20 ocorrências por dia relacionadas a lesão corporal, ameaça e injúria, sem contar casos de estupro, violência contra crianças e prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia. Surpreendentemente, a Secretaria de Segurança Pública registrou queda no número de denúncias de violência contra a mulher em 2012. 
 
Para a delegada, a causa não seria a diminuição do número de casos, e sim o rigor da chamada Lei Maria da Penha, que reforçou a punição das agressões ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. Assim, não é mais permitido à mulher retirar a denúncia. O agressor pode ser preso e não mais contar com pena alternativa. 
Hoje a maior dificuldade da delegacia é lidar com mulheres que não querem denunciar de verdade o agressor, mas apenas dar um “susto”, como diz a delegada. “A mulher precisa entender que a denúncia serve para quebrar este círculo de violência.”
 
Não há perfil específico de vítimas de violência doméstica. Acreditava-se que as reclamantes que sofriam nas mãos dos maridos eram financeiramente dependentes.
Atualmente, já não se pensa mais assim. “Acredito que a carência seja emocional, porque é grande o número de mulheres que sustentam seus maridos e, mesmo assim, não quebram o ciclo de violência. E não estamos falando de pessoas menos instruídas. Algumas vítimas são, inclusive, advogadas e médicas”, relata. 
 
Para Ângela, a melhor alternativa para coibir a violência contra a mulher seria a criação de um órgão público destinado a orientar casais. “Muitas fazem denúncia e me perguntam se posso conversar com os agressores, para que mudem de postura.” 
 
A delegada é formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo e optou por não ter filhos. O Mapa da Violência aponta que a maior parte das agressões é decorrente de machismo (46%) e alcoolismo (31%). Por isso, a delegacia recebe semanalmente palestrantes da Associação de Alcoólicos Anônimos para trabalho junto aos maridos punidos. “Há casos de agressores que se livraram da bebida e hoje voltam aqui como palestrantes”, afirma a delegada. Sinal de que o círculo da violência pode ser quebrado.
 
NA MIRA DO PRECONCEITO 
“Ser mulher e negra é ter de provar todos os dias a sua capacidade”, afirma a teóloga Eliad Dias dos Santos, 46 anos, que integra o Departamento de Humanidades de Santo André, que neste ano deve mudar sua denominação para Departamento de Direitos Humanos. A Pasta visa a promoção da cidadania e defesa de grupos considerados socialmente ‘vulneráveis’, como pessoas com deficiência, idosos e jovens, além do combate à discriminação racial. 
 
Sua identificação com a causa surgiu quando realizava trabalho da Igreja Metodista com mulheres de rua e prostitutas. Ela se surpreendeu ao verificar a forma como as mulheres, alvo de preconceitos, encaravam o filme Pontes de Madson, que conta a história de uma moça casada que mantém tórrido envolvimento amoroso com um fotógrafo. 
As prostitutas não se identificaram com a narrativa, que questionava as relações estáveis. Muito pelo contrário: queriam punir a protagonista alegando que ela tinha um bom marido, que a sustentava, e assim não precisava trabalhar. “A atitude machista por parte das mulheres ocorreu justamente porque elas se consideram meros objetos”, explica.  
Eliad descobriu sua porção feminista ainda criança. Gostava de ler bastante e começou cedo. Primeiro com a Bíblia. Depois, com histórias de princesas. Percebeu que se sentia fascinada não pelas princesas ­– que sofriam e viviam à espera de um príncipe –, e sim pelas bruxas malvadas, que eram sempre mais inteligentes, espertas e conseguiam tudo o que queriam. Mas foi com a leitura de revistas femininas que conheceu um grupo de mulheres que se reunia na Praça Roosevelt, em São Paulo, para discutir os direitos da mulher. 
 
Mais tarde, estudou teologia, aprofundando-se nos estudos das teologias feminista e negra. Para a filha, hoje com 15 anos, contava histórias de contos de fadas, sempre desmistificando o papel da bruxa má.


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