Arroz e feijão com tempero francês

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Eliane de Souza

Claude Troisgros cozinha com o cantor Luciano. Foto: Divulgação.

Quem não se lembra da maravilhosa cozinha de Ofélia? Se há algo que o Brasil tinha de tradicional, assim como as receitas de família, eram os programas televisivos sobre culinária. Uma senhora de cabelos brancos, vestindo avental e preparando refeições triviais. Era assim desde os anos 1950, quando surgiram as primeiras atrações do gênero. E a tradição se mantém nos dias de hoje, apesar dos toques de requinte, com vários tipos de programas sobre o tema voltados a públicos igualmente diversos, principalmente na TV paga.

 
Chefs como os ingleses Jamie Oliver e Gordon Ramsay elevaram a comida ao status de produto cultural e a gastronomia como estilo de vida. Já a conterrânea Nigella Lawson prepara pratos gordurosos e calóricos, atraindo a audiência masculina com suas curvas e sua falta de preocupação com a cozinha saudável. Muito diferente de Jamie Oliver, que mudou a merenda escolar britânica com a implementação de cardápio saudável em escolas que antes só serviam frituras e refrigerantes. E Gordon Ramsay comanda o Hells Kitchen, com jovens aspirantes a mestre-cuca em restaurante criado especialmente para o show, onde o vencedor adquire fama, dinheiro, prestígio e oportunidades.
 
No Brasil, passou-se o tempo em que a venerada Ofélia (1924-1998) ditava o estilo dos programas de culinária. A nova safra de cozinheirosapresentadores ganha pitadas de
testosterona com representantes masculinos que esbanjam requinte no trato com as panelas, a exemplo do francês Claude Troisgros. Com seu sotaque estrangeiro e muito bom humor, ele comanda o reality show Que Marravilha!, do canal GNT (quintas-feiras, às 21h30), onde ensina participantes sem qualquer intimidade com as caçarolas a preparar pratos mirabolantes para ocasiões especiais. E ainda dá nota.
 
Para a próxima temporada do programa, em abril, Claude resolveu inverter os papéis. Ele é quem será desafiado a preparar receitas de família enviadas pelos participantes do
big brother culinário. Enquanto o Que Marravilha! Revanche não sai do forno, seu comandante mantém a atenção dos telespectadores preparando receitas de verão durante
papo descontraído com galãs como Edson Celulari, Paulinho Vilhena e Diogo Nogueira.
 
Mas não é só em frente às telas que ele esquenta a chapa. Claude dedica-se também ao seu restaurante Olympe e assina o cardápio de outros três estabelecimentos no Rio de Janeiro. O lugar é definido como uma sólida conexão entre as cozinhas brasileira e francesa, proporcionada por um chef que veio ao Brasil em 1979, a convite de Gastón Lenotre, planejando ficar por dois anos, mas que fincou raízes e hoje é o mais carioca dos franceses.
 
TELINHA
Claude sempre quis ter um programa de TV. Há seis anos, recebeu para jantar no Olympe a então diretorageral da Rede Globo, Marluce Dias, e o marido, que comemoravam o aniversário de casamento. Sem papas na língua, ele logo se apresentou e expressou o desejo de ser atração na telinha. Foi indicado para uma expe- riência e, pouco tempo depois, contratado para apresentar o quadro Adivinha o Que Tem Para o Jantar, do Armazém 41, no GNT. Ganhou programa solo com Menu Confiança, que durou dois anos no mesmo canal, e comanda o Que Marravilha! há três anos – grafado assim mesmo, com dois erres, que é seu bordão na cozinha e uma onomatopéia da sua pronúncia.
 
Apesar do refinamento de suas receitas, Claude garante que não é desafio ensinar leigos a montar pratos maravilhosos. “É muito mais fácil cozinhar com uma pessoa leiga do que com alguém que conhece. Indivíduos que não entendem de culinária tentando fazer um prato elaborado geram uma séria de situações que são divertidíssimas para o programa. O fato de poder ensinar e ir à casa de uma pessoa é de uma sinergia e de uma troca quase que sentimental. Eu mesmo, que sei cozinhar, aprendo com eles. Tenho tantas técnicas que esqueço de prestar atenção em outras formas de manipular os alimentos. Muitas vezes, as regras nos atrapalham”, desabafa.
 
Preocupado com o sotaque na telinha, Claude recorreu a aulas de fonoaudiologia. Mas pouco adiantou: um bate-papo com ele inclui ouvir termos como restorrantche e outros que passam despercebidos entre as frases. O chef chegou a ser orientado de que o problema não seria o acento francês – que, na verdade, é seu charme –, mas a dicção. Reparem: ele fala muito rápido. “Temos de levar em consideração que sou cozinheiro e não apresentador de TV. O importante é que as pessoas me entendam, e o sotaque já virou marca. Não tenho como retirar”, diz Claude, fazendo graça com a leva de atores portugueses que abrasileiraram a pronúncia. Nada mal para quem aprendeu português na marra há 30 anos.
 
INSPIRAÇÃO
Diferentemente do que se imagina, a inspiração de Claude não vem da cozinha. “Tenho 38 anos de profissão, então é natural saber que o curry vai combinar com maçã ou que um determinado ingrediente vai dar certo.”Para se surpreender com novos aromas e sabores, o chef visita mercados à busca de produtos diferentes; consulta livros; faz pesquisas na internet; promove jantares em novos restaurantes; conversa com profissionais e se deixa aventurar em novas experiências gustativas cada vez que um participante do Que Marravilha! lhe brinda com uma receita, digamos, sui generis. “Vou colando essas coisas novas na minha cabeça sem tocar a frigideira. Às vezes, uma receita não dá certo na primeira vez. Precisa sempre melhorar um pouquinho. Já errei, já fui traído pela percepção. A técnica dá sempre certo, mas o resultado pode evoluir”, ensina.
 
Claude se abre às novas influências em ritual que define como imprescindível para acordar o corpo e o espírito. O despertar, por volta das 8h, é complementado por uma hora de prática esportiva, seja bicicleta, ioga, caminhada ou musculação, seguida de ducha e deslocamento para o escritório ao lado de casa. Permanece no espaço – que é também bufê – até o meio-dia, sempre confabulando alguma receita. Depois, almoça em um dos restaurantes de sua chancela.
 
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